domingo, 24 de maio de 2009

TENTATIVA DE LEITURA…II


Emília Ferreira, Cartografia Íntima, ed. Difel, Lisboa, 2009, pág. 35:


“Tudo levamos à boca, quando nascemos. Como se quiséssemos apurar o mundo, confirmar os sabores que nos saltearam no ventre materno. Depois, o corpo dos amantes, levado aos lábios e à língua e à sede como uma água que salva, como um sal que nos segura. Depois, passamos a escolher. Apuramos o gosto. Deixamos de aceitar tudo. Ficamos selectivos. Judicativos. O que não agrada ao paladar não convence. Não apela à compreensão nem ao coração. O cérebro comanda mas não manda.
Aprendemos pouco na vida afinal. Os sentidos enganam-nos, é certo, criam no nosso cérebro ilusões que poucas vezes interrogamos com sinceridade. Sabemos perfeitamente que, no escuro, as coisas não mudam de ser, embora se altere a sua aparência, se apaguem as cores e atenuem as texturas, confundam os volumes. Mas queremos mesmo saber o que essa aparência nos faz? Os sentidos apelam a nós e fazem fervilhar a imaginação. Acusamos o corpo mas é a cabeça que trabalha tantas vezes contra nós, complicando o que encontramos pelo caminho, o que sentimos no mundo, o que nele desejamos
.”

Sem comentários:

Enviar um comentário