quarta-feira, 21 de abril de 2010

I
Zarina

Preferia saber, preferia até que me dissessem que tinhas morrido! Que viessem vozes de longe dizer-mo, e de longe garantir com provas dadas, com o teu sangue pesado num lençol branco, e o vermelho ainda vivo à mostra como na fábaula de Inês tantos anos gravado na pedra, vingando até se deixar amarelecer, vertendo docemente o tempo e a cor. Preferia saber-te morto a não saber mais nada de ti, durante tantos anos, desde um único dia, ou uma só noite que nesse dia não chegou a acontecer.
Preferia velar o teu corpo de perto, tê-lo entre lágrimas a esfriar.
Os donos dos cães antes querem sabê-los mortos a não saber mais nada deles.
Assim como me deixaste, só quando a tua morte tiver acabado eu poderei descansar. Ainda que a forca seja o destino, eu tudo daria para que a noite passada venha de novo e a noite de hoje apenas seja o tempo de ontem. Vivi como uma alma a penar num escombro ainda em pé. Já ninguém vê, ninguém sabe, e só durante a noite sozinha me assaltam nos sonhos as sombras, ou avançam vultos de olhos abertos e eu acordo e tenho medo e acendo a luz.
Na ilha, ficou preso o cão, a ganir toda a noite, Não o sentes? Não o mataram, não tiveram tempo, deram-lhe

O CÃO DAS ILHAS, Maria da Conceição Caleiro, Sextante Editora, 2009, pág. 11

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