domingo, 19 de julho de 2009

3 POEMAS DE ARMÉNIO VIEIRA (A PEDIDO DE UM COMENTÁRIO...)

I

LISBOA - 1971
A Ovídio Martins e Osvaldo Osório

Em verdade Lisboa não estava ali para nos saudar.

Eis-nos enfim transidos e quase perdidos
no meio de guardas e aviões da Portela.


Em verdade éramos o gado mais pobre
d'África trazido àquele lugar
e como folhas varridas pela vassoura do vento
nossos paramentos de presunção e de casta.


E quando mais tarde surpreendemos o espanto
da mulher que vendia maçãs

e queria saber donde... ao que vínhamos
descobrimos o logro a circular no coração do Império.


Porém o desencanto, que desce ao peito
e trepa a montanha,
necessita da levedura que o tempo fornece.


E num caminhão, por entre caixotes e resquícios da véspera,
fomos seguindo nosso destino
naquela manhã friorenta e molhada por chuviscos d'inverno.


II

Graças dou por Bento Spinoza
e também por Mallarmé,
já que ambos, em seu tempo
e seu lugar, viram o que jazia
oculto sob a máscara da Esfinge.

Sem se importar mesmo nada
com a maldição lançada pelos
rabinos lá do gueto, um judeu
de olhos meigos como as rolas
percebeu que os rios, o mar
e o firmamento não são meros
algarismos em que o Número
se divide, pelo que se torna
redundante dizer que há Deus e Natureza.

Esse ponto em que o texto como um rio
se desdobra e, nítido, surge o poema,
só se vê num mapa que Mallarmé doou
aos filhos que teve com a Musa.

III
Quiproquó

Há uma torneira sempre a dar horas
há um relógio a pingar no lavabos
há um candelabro que morde na isca
há um descalabro de peixe no tecto.

Há um boticário pronto para a guerra
há um soldado vendendo remédios
há um veneno (tão mau) que não mata
há um antídoto para o suicído de um poeta.

Senhor, Senhor, que digo eu (?)
que ando vestido pelo avesso
e furto chapéu e roubo sapatos
e sigo descalço e vou descoberto.

Arménio Vieira.

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