terça-feira, 29 de junho de 2010

ALBERTO AFONSO (1953-2010)
Conheci o Alberto há cerca de quarenta e cinco anos. Estivemos muito tempo sem nos ver mas retomámos os encontros há vários anos na escola. Há pouco tempo adoeceu gravemente. Ontem deixou-nos.

sábado, 26 de junho de 2010

"PARTIR"...

Se uma mulher chega a casa e diz ao marido "apaixonei-me por alguém" o que é que, de facto, quer dizer? O que é que o espectador espera que o filme mostre?

sexta-feira, 18 de junho de 2010

JOSÉ SARAMAGO (1922-2010)

“D. João, quinto do nome na tabela real, irá esta noite ao quarto de sua mulher, D. Maria Ana Josefa, que chegou há mais de dois anos da Áustria para dar infantes à coroa portuguesa e até hoje ainda não emprenhou. Já se murmura na corte, dentro e fora do palácio, que a rainha, provavelmente, tem a madre seca, insinuação muito resguardada de orelhas e bocas delatoras e que só entre íntimos se confia. que caiba a culpa ao rei, nem pensar, primeiro porque a esterilidade não é mal dos homens, das mulheres sim, por isso são repudiadas tantas vezes, e segundo, material prova, se necessária ela fosse, porque abundam no reino bastardos da real semente e ainda agora a procissão vai na praça. Além disso, quem se extenua a implorar ao céu um filho não é o rei, mas a rainha,e também por duas razões. A primeira razão é que um rei, e ainda mais se de Portugal for, não pede o que unicamente está em seu poder dar, a segunda razão porque sendo a mulher, naturalmente, vaso de receber, há-de ser naturalmente suplicante, tanto em novenas organizadas como em orações ocasionais. Mas nem a persistência do rei, que, salvo dificultação canónica ou impedimento fisiológico, duas vezes por semana cumpre vigorosamente o seu dever real e conjugal, nem a paciência e humildade da rainha que, a mais das preces, se sacrifica a uma imobilidade total. depois de retirar-se de si e da cama o esposo, para que se não perturbem em seu gerativo acomodamento os líquidos comuns, escassos os seus por falta de estímulo e tempo, e cristianíssima retenção moral, pródigos os do soberano, como se espera de um homem que ainda não fez vinte e dois anos, nem isto nem aquilo fizeram inchar até hoje a barriga de D. Maria Ana. Mas Deus é grande. Quase tão grande como Deus é a basílica de S. Pedro de Roma que el-rei está a levantar. É uma construção sem caboucos nem alicerces, assenta em tampo de mesa que não precisaria ser tão sólido para a carga que suporta, miniatura de basílica dispersa em pedaços de encaixar, segundo o antigo sistema de macho e fêmea, que, à mão reverente, vão sendo colhidos pelos quatro camaristas de serviço. A arca donde os retiram cheira a incenso, e os veludos carmesins que os envolvem, separadamente, para que se não trilhe o rosto da estátua na aresta do pilar, refulgem à luz dos grossíssimos brandões. A obra vai adiantada. Já todas as paredes estão firmes nos engonços, aprumadas se vêem as colunas sob a cornija percorrida de latinas letras que explicam o nome e o título de Paulo V Borghese e que el-rei há muito tempo deixou de ler, embora sempre os seus olhos se comprazam no número ordinal daquele papa, por via da igualdade do seu próprio. Em rei seria defeito a modéstia. Vai ajustando nos buracos apropriados da cimalha as figuras dos profetas e dos santos, e por cada uma fez vénia o camarista, afasta as dobras preciosas do veludo,aí está uma estátua oferecida na palma da mão, um profeta de barriga para baixo, um santo que trocou os pés pela cabeça, mas nestas involuntárias irreverências ninguém repara, tanto mais que logo el-rei reconstitui a ordem e a solenidade que convêm às coisas sagradas, endireitando e pondo em seu lugar as vigilantes entidades. Do alto da cimalha o que elas vêem não é a Praça de S. Pedro, mas o rei de Portugal e os camaristas que o servem." (MEMORIAL DO CONVENTO).

quinta-feira, 17 de junho de 2010

A PROPÓSITO DO FILME "GREENBERG"...

"O argumento de “Greenberg” é extremamente competente porque consegue cumprir todos os grandes propósitos que nos são prometidos pela sua premissa, ou seja, consegue oferecer ao espectador uma narrativa muito explícita e muito emocional sobre a fragilidade e a fugacidade da nossa existência e a necessidade que todos nós temos em aproveitar ao máximo a nossa vida. O seu protagonista é uma personagem emocionalmente perturbada que finalmente se apercebe que os seus últimos anos não correram como o esperado e que a sua existência está submersa num estado emocional verdadeiramente caótico, assim sendo, vamos sendo confrontados com uma verdadeira transformação subjectiva desta personagem que à medida que vai entrando em contacto com as suas fragilidade psicológicas vai alterando radicalmente o seu estado de espírito, uma mudança que vai influenciar claramente a forma como enfrenta a sua vida".
Portal CINEMA - Texto publicado por JT

COMENTÁRIO (TENDO EM CONTA O FILME E A REALIDADE):
Uma das cenas do filme é relativamente banal: o Senhor X (Greenberg) pede aos serviços da empresa Gás-LA que coloque o contrato em seu nome. A empresa desloca-se a casa do Senhor X e verifica o estado do sistema de gás. E considerando que há uma fuga de gás desliga o combustível e informa o cliente que tem que contactar uma empresa para lhe resolver o problema. Só depois a Gás-LA voltará para reapreciar o processo e, eventualmente, reabrir o gás. O cliente, que estava longe de imaginar um transtorno e uma despesa destas, fica furioso e decide enviar um protesto ao Provedor pelo facto de não ter sido informado no acto do pedido de que lhe poderia acontecer aquilo. O cliente recusa-se admitir que a realidade (o gás em fuga) pode constituir mesmo um perigo para alguém e que os procedimentos da empresa apenas se limitam a cumprir a lei de segurança... O cliente, que vive sozinho há muitos anos embora revele desejo e vontade de conviver, "prefere" imaginar que o "sistema"(?) está contra ele. É verdade que no acto do pedido o funcionário não lhe disse que se o sistema de gás não estivesse bom teria que mandar fazer reparações mas isso não seria difícil de concluir atendendo às circunstâncias... O cliente em causa tem dificuldade em admitir que a realidade (física e humana) nos surpreende constantemente. E que essa surpresa só causa pânico e raiva quando o estado de espírito da pessoa está centrado sobre ela própria...
Quando tomar consciência disto o Senhor X (Greenberg) irá, certamente, rir-se de si mesmo...

terça-feira, 15 de junho de 2010

PENSAMENTOS SOBRE O AMOR...
(O Ciúme, Couto Soares Pacheco, ed. Afrontamento, 1998)

I
"Só através do sacrifício podemos ser fiéis e só através da fidelidade podemos ser aproximadamente felizes".

II
"Qualquer homem está condenado a ser um artista: o artista da sua própria condição humana".

III
Aquilo que as pessoas geralmente consideram um grande e profundo amor, no momento em que o vivem, é sempre algo que se projecta no futuro, tendo por isso, uma dimensão vivida de imortalidade.

terça-feira, 8 de junho de 2010

Amor de índio, Milton Nascimento

Tudo que move é sagrado
E remove as montanhas
Com todo cuidado, meu amor
Enquanto a chama arder

Todo dia te ver passar
Tudo, viver a teu lado
Com o arco da promessa
No azul pintado pra durar
Abelha fazendo o mel
Vale o tempo que não voou
A estrela caiu do céu
O pedido que se pensou
O destino que se cumpriu
De sentir seu calor e ser todo
Todo dia é de viver
Para ser o que for e ser tudo

Sim, todo amor é sagrado
E o fruto do trabalho
É mais que sagrado, meu amor
A massa que faz o pão
Vale a luza do teu suor
Lembra que o sol é sagrado
E alimenta de ouro horizontes
O tempo acordado de viver
No inverno te proteger
No verão sair pra pescar
No outono te conhecer
Primavera poder gostar
No estio me derreter
Pra na chuva dançar e andar junto
O destino que se cumpriu
De sentir teu calor e ser tudo
Sim, todo amor é sagrado, sim.

domingo, 6 de junho de 2010

O SEGREDO DOS SEUS OLHOS,de Juan José Campanella


“Um tipo pode mudar tudo. A sua cara, a sua casa, a sua família, a sua namorada, a sua religião, o seu Deus. Mas há uma coisa que não pode mudar. Não pode mudar a sua paixão.” – Pablo Sandoval
Oscilando entre o presente em que Benjamín recorda e o passado em que procura resolver quem violou e matou uma jovem na sua própria casa, Juan José Campanella constrói um elaborado quebra-cabeças onde a história se desenrola em três tabuleiros simultâneos. O mistério policial clássico com laivos de film noir, com o investigador no papel do "incorruptível" desencantado metido em cavalarias demasiado altas, desdobra-se ao mesmo tempo no melodrama de amores desencontrados que dá ao filme o seu centro emocional, e nas discretas alusões políticas que lhe dão um aroma simultaneamente histórico e claustrofóbico. Os acontecimentos de um nível reflectem-se nos outros de modos distintos mas constantes, com Campanella a não fazer mais do que uma adequadíssima gestão dos vários níveis em função do que a história lhe pede e do que o espectador precisa de saber.
Jorge Mourinha (PÚBLICO)